O Orçamento do Estado para 2023 será desvendado na segunda-feira e muitas das linhas gerais do documento já são conhecidas, à boleia do acordo de rendimentos e competitividade negociado pelo Governo com os parceiros sociais, embora nem todas as medidas possam ter aplicação, sobretudo no próximo ano.
Desenhado sob o signo da incerteza provocada pela guerra na Ucrânia e um novo ciclo de taxas de juro, o documento traz uma atualização significativa dos escalões de IRS e outras novidades para as famílias. São também conhecidas a atualização das pensões e a dimensão esperada para o aumento dos funcionários públicos.
Para as empresas vem aí uma redução seletiva do IRC, para quem suba salários, reforce a capitalização ou aposte na investigação e desenvolvimento, embora não se saiba com que dimensão e horizonte. Haverá também taxas reduzidas para mais PME.
O aumento que será aplicado a partir do próximo ano é conhecido desde que o primeiro-ministro apresentou no início de setembro o pacote de apoios às famílias para enfrentar a inflação. A divulgação motivou, aliás, muita polémica, por não ser respeitada a fórmula legal para a atualização das pensões.
O incremento será de 4,43% para quem recebe pensões até 886 euros, de 4,07% para as pensões entre 866 e 2.659 euros e de 3,53% para as restantes pensões sujeitas a atualizações. A título de exemplo, numa reforma de 600 euros o pensionista receberá mais 26,58 euros por mês. Caso fosse aplicada a fórmula legal, os aumentos oscilariam entre os 7% e 8%. O Governo justificou a diferença com a necessidade de preservar a sustentabilidade da Segurança Social.
Na reunião que teve com os sindicatos no início da semana, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, propôs uma subida global média de 5,1% dos rendimentos dos trabalhadores da função pública, incluindo aumentos salariais e progressão nas carreiras.
O salário mínimo na Função Pública tem o aumento mais expressivo no próximo ano, crescendo 8% para os 761,58 euros. Os vencimentos brutos até 2.600 euros mensais têm um aumento de 52,11 euros. Quem aufira 1.000 euros, por exemplo, terá uma atualização de 5,2%. Já se o salário for de 1.500 euros, o aumento é de 3,5%. Acima da fasquia dos 2.600 euros será atribuída uma atualização mínima de 2%. Tudo isto terá um custo de 738 milhões no Orçamento do Estado.
Segundo os cálculos apresentados pelo Governo, esta estrutura de aumentos, que será replicada também nos anos seguintes, resulta numa subida média de 3,6% no salário dos funcionários no próximo ano.
O Governo vai também rever a Tabela Remuneratória Única, de forma a distinguir as diferentes carreiras, nalguns casos já em 2023. É o caso dos assistentes técnicos, que receberão um adicional de 52,11 euros (104,22 euros no total) a partir de janeiro. Os técnicos superiores vão também receber mais 52 euros. A progressão será também mais rápida (três níveis) para quem tem mais de 30 anos de serviço e para os assistentes operacionais com mais de 15 anos (dois níveis).
O pacote total terá um custo de 1.200 milhões de euros no próximo ano. Poderá ainda sofrer alterações já que esta sexta-feira há uma nova ronda negocial com os sindicatos da administração pública. Uma das questões em cima da mesa será o valor do subsídio de alimentação, que foi atualizado pela última vez em 2017 para os 4,77 euros.
Os escalões que definem o imposto a entregar pelas famílias às finanças serão atualizados em 5,1%, de acordo com a proposta para o acordo de rendimentos que o Governo levou na quinta-feira à Concertação Social, com o objetivo de assegurar a neutralidade fiscal das atualizações remuneratórias. O que significa que tem tiver aumentos de vencimento daquela ordem não será penalizado no IRS.
Está ainda prevista uma “aproximação e, sempre que possível, eliminação da diferença entre a retenção na fonte de IRS e o imposto devido, evoluindo para um sistema de retenção na fonte que assegure que as valorizações salariais se traduzem em ganhos líquidos mensais para os trabalhadores”.
Também no chamado mínimo de existência, o valor até ao qual não há lugar ao pagamento de imposto, deverá haver mexidas. No acordo de rendimentos o Executivo propõe uma reformulação das regras de funcionamento do mínimo de existência para conferir maior progressividade ao IRS, “passando de uma lógica de liquidação final para uma lógica de abatimento a montante, beneficiando os rendimentos até 1.000 euros por mês e eliminando a distorção atual de tributação a 100% dos rendimentos imediatamente acima da atual RMMG [Remuneração Mínima Mensal Garantida]”.
São esperadas novidades também no IRS Jovem, com o aumento do benefício, a extensão extraordinária do Programa Regressar (terminava no próximo ano), e a criação de um incentivo de regresso ao mercado de trabalho, direcionado a desempregados de longa duração.
Haverá também novidades no subsídio de alimentação, que passa a ficar isento de imposto até aos 5,20 euros por dia.
O aumento transversal do IRC, como defendeu o ministro da Economia, está posto de parte. Em vez disso, o próximo Orçamento do Estado deverá trazer uma nova redução seletiva. O caminho vem, mais uma vez, traçado nas propostas para o acordo de rendimentos.
A redução do imposto irá abranger empresas com contratação coletiva dinâmica, valorização de salários e diminuição da disparidade salarial. O Governo propôs uma “majoração em 50% dos custos com a valorização salarial (remunerações e contribuições sociais), em sede de IRC”.
A diminuição seletiva do IRC deverá abranger também as empresas que invistam em Investigação e Desenvolvimento, reforçando as condições do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II) na componente do investimento direto. Será ainda premiado o reinvestimento de lucros retidos, com a criação do Incentivo à Capitalização de Empresas.
As PME com lucro tributável até 50 mil euros passam a ter acesso à taxa reduzida de IRC de 17%. Até aqui o limite era de 25 mil euros. Aplica-se também a empresas em atividade nos territórios do Interior. Durante a vigência do acordo, a taxa reduzida aplica-se ainda, por dois anos, a empresas que resultam de fusão de PME.
Outra boa notícia para as empresas com frota automóvel é a redução em 2,5 pontos percentuais das taxas de tributação autónoma aplicáveis aos veículos híbridos plug-in. Há também uma diminuição das taxas para veículos ligeiros movidos a Gás Natural Veicular (GNV).
Não é certo que todas estas medidas avancem ou cheguem já em 2023.
O acordo de rendimentos inclui ainda várias medidas de simplificação administrativa que poderão constar ou não do articulado do Orçamento do Estado para 2023. São exemplos a criação do regime geral de taxas ou a eliminação e simplificação de processos burocráticos no âmbito da Reforma dos Licenciamentos.
Na Segurança Social, destaque para a eliminação da obrigação de comunicação mensal das declarações retributivas por parte das entidades empregadoras, passando a existir o princípio de necessidade de comunicação somente em caso de alterações. O mesmo acontece em relação às comunicações trimestrais dos trabalhadores independentes.
O cenário macroeconómico que serve de base ao Orçamento do Estado de 2023 deverá ser conhecido esta sexta-feira, já que o Governo apresenta aos partidos as linhas gerais do documento. Um dado é certo, ao contrário do que muitos economistas começam a temer em relação à Zona Euro, o primeiro-ministro afasta a hipótese de uma recessão em Portugal no próximo ano.
Fê-lo primeiro no debate sobre política geral no Parlamento. No final da cerimónia do 5 de Outubro, afirmou que a economia portuguesa registará um “crescimento económico moderado”, “acima da média europeia”. Assegurou também que haverá uma “desaceleração significativa da inflação”.
O Público noticia esta sexta-feira que o Governo está a trabalhar com uma previsão de crescimento de 6,5% este ano, que deverá abrandar para 1,3% em 2023. No cenário macroeconómico que integra a proposta do Orçamento do Estado, o Executivo aponta para uma redução da dívida pública de 115% este ano e para 110,8% no próximo, o que significa regressar a valores anteriores à troika.
Quanto ao défice, este deverá ser de 1,9% em 2022, caindo para 0,9% no próximo ano. Já a inflação será de 7,4% no final deste ano, tal como o ministro das Finanças já tinha anunciado, desacelerando para 4% em 2023.
O Conselho de Finanças Públicas (CFP) atualizou há duas semanas a sua projeção, antecipando uma forte travagem da economia de 6,7% este ano para 1,2% no próximo. A taxa de inflação média deverá situar-se nos 7,7% este ano e em 5,1% em 2023. Um valor acima, por exemplo, do previsto para o aumento das pensões mas idêntico à atualização dos escalões de IRS.
Na conferência de imprensa de apresentação do relatório, a presidente do CFP não afastou o cenário de uma recessão. “Não é de excluir uma recessão. O cenário que temos é um cenário prudente face à informação que dispomos”, disse Nazaré da Costa Cabral.
O Banco de Portugal divulgou, na quinta-feira, o Boletim Económico de outono. O relatório não traz previsões para 2023, mas a entidade liderada por Mário Centeno sublinha que os efeitos negativos da agressão militar russa na Ucrânia “serão mais notórios em 2023, antecipando-se uma desaceleração significativa face a 2022″.